Juíza Marisa Belini determina devolução de salários e reinício do processo na Alepa; presidente do TJPA, Roberto Moura, atende PGE e suspende efeitos, em ação popular movida por Arnaldo Jordy
Belém (PA) – O cenário político paraense viveu um dia de reviravoltas judiciais nesta segunda-feira (1º de dezembro de 2025), com a divulgação de uma sentença que anulou a nomeação da primeira-dama do Pará, Daniela Lima Barbalho, como conselheira do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PA). A decisão, proferida pela juíza Marisa Belini de Oliveira, da 3ª Vara da Fazenda Pública (respondendo cumulativamente pela 5ª Vara dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais), declarou nulos todos os atos de indicação, nomeação e posse de Daniela no cargo, determinando a devolução integral de remunerações recebidas e a reabertura do processo seletivo pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa).
A sentença, assinada em 26 de novembro de 2025, foi imediatamente contestada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), por meio do procurador Daniel Cordeiro Peracchi, em petição apresentada no dia 28. No sábado (29), o presidente do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), desembargador Roberto Gonçalves de Moura, concedeu liminar suspendendo todos os efeitos da decisão, argumento que só veio a público nesta segunda. Com isso, Daniela permanece no cargo vitalício, com salário estimado em R$ 35 mil mensais, enquanto o caso tramita em instâncias superiores.
O episódio, originado de uma ação popular ajuizada pelo ex-deputado federal Arnaldo Jordy (PL), reacendeu debates sobre nepotismo e moralidade administrativa, ecoando em Brasília e nas redes sociais paraenses, onde a tensão entre governo estadual e opositores ganhou tração.
Cronologia do caso: da indicação em 2023 à sentença de 2025
A nomeação de Daniela Barbalho remonta a março de 2023, quando a Alepa aprovou por unanimidade o Decreto Legislativo nº 04/2023, indicando-a para a vaga de conselheira do TCE-PA. O decreto de nomeação foi assinado pelo então governador em exercício, deputado Chicão (MDB), após sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Daniela, indicada por 11 lideranças partidárias, assumiu o cargo responsável por fiscalizar contas públicas do estado, incluindo as do governo de seu marido, o governador Helder Barbalho (MDB).
Desde então, o processo enfrentou contestações:
- 2023: Ação popular de Arnaldo Jordy alega violação à Súmula Vinculante 13 do STF (vedação ao nepotismo), ausência de requisitos constitucionais e desvio de finalidade na indicação única.
- 2023-2024: Decisões liminares do TJPA e STF rejeitam argumentos de nepotismo direto, com o ministro Dias Toffoli arquivando Reclamação (RCL) 60.804 por inaplicabilidade da súmula a indicações legislativas.
- 26/11/2025: Juíza Marisa Belini julga procedente a ação, anulando atos e ordenando devolução de verbas corrigidas pelo IPCA-E mais juros.
- 28/11/2025: PGE recorre, alegando risco à ordem administrativa e colapso no TCE-PA.
- 29/11/2025: Desembargador Roberto Moura suspende a sentença, priorizando decisões vinculantes do STF.
- 01/12/2025: Vazamento público das decisões, com repercussão imediata.
Jordy já anunciou recurso ao pleno do TJPA, prometendo escalada ao STF.
Detalhes da sentença: anulação, devolução e reinício do processo
Em decisão extensa, considerada de alto impacto institucional, a juíza Marisa Belini declarou inválidos:
- O Decreto Legislativo nº 04/2023 da Alepa;
- O decreto de nomeação de 15 de março de 2023;
- Todos os atos de posse e exercício de Daniela no TCE-PA.
Entre as medidas impostas:
- Devolução integral: Daniela e o Estado devem restituir vencimentos, subsídios e verbas extras recebidos desde a posse, atualizados pelo IPCA-E e acrescidos de juros moratórios – uma ordem rara, destacada como “inédita” em casos semelhantes.
- Desocupação imediata: Daniela deveria deixar o cargo, com reabertura do processo seletivo pela Alepa para preencher a vaga.
- Fundamentação: A magistrada apontou indícios de ilegalidade no processo de indicação, violação à moralidade administrativa e impessoalidade, mesmo com participação legislativa. Belini argumentou que a nomeação única por múltiplos partidos configuraria “nepotismo indireto”, contrariando princípios constitucionais.
A PGE rebateu, sustentando que a sentença ignora precedentes do STF e TJPA, que já rejeitaram alegações de nepotismo por se tratar de escolha pelo Legislativo, não pelo Executivo.
Suspensão pelo TJPA: manutenção do cargo e argumentos do governo
O desembargador Roberto Gonçalves de Moura, presidente do TJPA, atendeu o pedido de suspensão de sentença da PGE no processo nº 0825945-18.2025.8.14.0000, argumentando:
- Risco institucional: Cumprimento imediato causaria “grave lesão à ordem administrativa”, paralisando mais de 500 processos sob relatoria de Daniela no TCE-PA.
- Precedentes vinculantes: A decisão de Belini contraria a Reclamação 60.804/STF (relator Dias Toffoli), que exclui a aplicação da Súmula Vinculante 13 a indicações da Alepa, e agravos de instrumento transitados em julgado no TJPA.
- Efeito suspensivo: Daniela permanece em exercício até julgamento de mérito, preservando a estabilidade do tribunal.
A medida, divulgada apenas nesta segunda, aliviou o governo Barbalho, mas Jordy criticou a “interferência” em redes sociais, chamando-a de “manobra para blindar o clã”.
Repercussão política: tensão no Pará e ecos em Brasília
O caso explodiu nos bastidores paraenses, com opositores ao governo Helder Barbalho – como o ex-deputado Jordy – usando o episódio para questionar a influência familiar no poder. Em Belém, corredores da Alepa registraram debates acalorados sobre a reinicialização do processo seletivo. Em Brasília, a disputa ganhou atenção de aliados do MDB e críticos no PL, alimentando narrativas de “nepotismo na Amazônia”.
Nas redes sociais, o tema viralizou, com postagens sobre a “reviravolta judicial” acumulando milhares de interações. Analistas preveem que o recurso de Jordy pode elevar o caso ao STF novamente, prolongando a incerteza. O governo estadual, por sua vez, reforça a legalidade da nomeação, destacando a aprovação unânime na Alepa e o apoio multipartidário.
O meio político aguarda os próximos passos, em um capítulo que expõe fragilidades na fiscalização de contas públicas e no equilíbrio de poderes no Pará.